A cozinha Tailandesa nunca seria o que é hoje se esta história não se tivesse escrito.
Desde a introdução de novos ingredientes como tomates, batatas e malaguetas até a influência de técnicas culinárias e tradições de confecção de sobremesas, este intercâmbio cultural deixou uma marca indelével na gastronomia tailandesa.
Aprenda sobre as surpreendentes origens portuguesas de pratos como o curry verde (green curry) e som tam (salada de papaya verde), e como o chá gelado de estilo tailandês se tornou um refresco comum.
Tudo graças à influência portuguesa.
Conheça os artesãos e padeiros dedicados que se esforçam para preservar receitas antigas, mantendo vivos os sabores e tradições que resistiram ao teste do tempo enquanto mergulhamos no reino dos doces tailandeses e suas raízes de inspiração portuguesa.
O Baan Reena também se dedica a celebrar a herança culinária única nascida do intercâmbio cultural secular; por isso, recordamos esta história notável de como duas terras distantes se uniram, para criar uma fusão culinária que continua a encantar os entusiastas da gastronomia, em todo o mundo. Das ruas movimentadas de Banguecoque aos bairros históricos que rodeiam a Igreja de Santa Cruz, vamos descobrir neste artigo os vestígios do legado culinário de Portugal que ainda hoje prospera.
Muitos dos ingredientes e tradições culinárias que associamos à cozinha tailandesa são adições relativamente recentes, inspiradas nos encontros com comerciantes e missionários portugueses que se aventuraram na Tailândia durante o século XVI. Essa troca de produtos e ideias, abrangendo mais de 500 anos, teve um impacto profundo e duradouro na comida tailandesa. Ele moldou e definiu substancialmente a culinária que agora reconhecemos e apreciamos.
Em 1511, os portugueses fizeram história como os primeiros europeus a pisar a Tailândia, pela antiga capital real de Ayuthaya. Eles rapidamente estabeleceram relações amistosas com a corte do rei Ramathibodi II e aproveitaram a oportunidade para apresentar os cativantes novos produtos das Américas ao mercado tailandês. Isso marcou o início de uma nova era, pois a Tailândia testemunhou a chegada de inúmeros ingredientes que se tornariam elementos essenciais de sua culinária.
Tomate, batata, milho, alface, repolho, papaia, anona, goiaba, ananás, abóbora, batata-doce, castanha de caju, amendoim e tabaco estavam entre os produtos introduzidos pelos portugueses. Com o tempo, esses ingredientes tornaram-se tão profundamente integrados às tradições culinárias tailandesas que suas origens desapareceram da memória, e poucos tailandeses hoje sabem que alimentos básicos amados como as pequenas malaguetas picantes, na verdade foram importados de outro lugar.
Além disso, os portugueses desempenharam um papel fundamental na facilitação da troca de mercadorias na Ásia. Eles trouxeram produtos cobiçados de várias regiões, incluindo canela do Sri Lanka, noz-moscada e cravo da Indonésia.
Entre os exemplos notáveis desse comércio interasiático estava a introdução de uma folha humilde chamada “te” em um dialeto obscuro do sul da China, conhecido no mundo como chá. Ainda existem muitas discussões entre pares, mas em geral é considerado pela académia relevante que os portugueses trouxeram o chá da China e o introduziram não apenas na Tailândia, mas também em muitas outras partes da Ásia. Além disso, eles desempenharam um papel significativo na popularização do chá na Europa.
Graças aos exploradores e comerciantes portugueses, uma vasta gama de ingredientes das Américas e de outras partes da Ásia chegaram assim à Tailândia, alterando para sempre sua paisagem culinária e contribuindo para a vibrante experiência de sabores celebrada hoje.
Além de introduzir uma gama diversificada de ingredientes, os portugueses deixaram um impacto duradouro nas técnicas culinárias tailandesas. A sua influência é particularmente evidente no reino dos khanom, os doces tailandeses.
A história tailandesa credita uma parte significativa da influência portuguesa nas sobremesas tailandesas, a uma pessoa notável chamada Marie Guimar (Maria Guyomar de Pinha).
Marie Guimar teve um domínio considerável sobre a cozinha da realeza Tailandesa e sua introdução de técnicas de panificação e a incorporação de ingredientes como gema de ovo e farinha – desconhecidos da culinária tailandesa, mas essenciais para a confecção de sobremesas portuguesas – tiveram um efeito profundo nos doces tailandeses, um legado ainda observável hoje.
Um exemplo notável que destaca a influência portuguesa nas sobremesas tailandesas é a prevalência de sobremesas com a palavra tailandesa para ouro, “thong“, que faz referência aos tons de amarelo ou laranja obtidos na criação dos fios de ovos que todos conhecemos, com o uso generoso de gemas de ovo.
Essas sobremesas incluem thong ek, thong yawt, thong yip e foy thong (esta última, deriva etimologicamente de “fios de ovos”), todas variações de uma família de sobremesas portuguesas conhecida como “ovos moles”. Apesar de ter passado mais de meio século desde a sua introdução, muitos destes doces mantêm uma forma semelhante aos seus homólogos portugueses ainda hoje apreciados em Portugal.
O Baan Reena teve oportunidade de aprofundar a produção e origens destas sobremesas, pelo que visitámos a fábrica da Kanomthai Kao Peenong, o maior produtor de doces tailandeses do país.
Durante nossa visita à fábrica, tivemos o privilégio de ser guiados por Arin Pipattawatchai, chefe de controle de qualidade da Kao Peenong e especialista na arte de elaborar doces tailandeses. Ela revelou que todos os doces de Kao Peenong são minuciosamente feitos à mão, preservando os mesmos métodos tradicionais introduzidos pelos portugueses há quase cinco séculos! No caso dos doces de influência portuguesa, o processo normalmente envolve a imersão de gemas de ovos de pato, juntamente com vários outros ingredientes, em calda e fervendo suavemente.
Pipattawatchai explica: “No passado, os ovos eram usados principalmente como parte de pratos de refeição para os tailandeses – eles não eram geralmente associados a doces. Esse conceito de usar ovos em sobremesas foi trazido pelos portugueses“.
Observámos a produção de thong yawt, onde uma pasta grossa feita de ovos de pato, leite de coco e farinha com aroma de jasmim é mexida numa calda fervente. O resultado é uma criação deliciosa: bolas amarelas firmes e vibrantes, doces e perfumadas.
O processo para o thong yip segue um padrão semelhante, com a mistura dourada ainda quente sendo prensada em pequenas tigelas de cerâmica, para adquirir a sua delicada forma de flor.
No entanto, o processo mais fascinante de todos está na criação da thong foy – ou como conhecemos em Portugal, os fios de ovos! Neste método, as gemas são suavemente derramadas em calda a ferver por uma fina peneira com uns pequenos buracos, produzindo delicados “fios” dourados de gema de ovo, cujo resultado já todos conhecemos.
Testemunhar essas técnicas consagradas pelo tempo e a perícia envolvida na elaboração de cada doce foi uma prova viva do legado duradouro da influência portuguesa nas sobremesas tailandesas. A paixão e a dedicação demonstradas pelos artesãos de Kao Peenong destacaram o rico intercâmbio cultural que moldou as tradições culinárias tailandesas ao longo dos séculos. Ficámos estarrecidos com a dedicação que esta familia presta ao seu legado.
Outra referência notável da influência portuguesa nos doces tailandeses pode ser descoberta nas proximidades da Igreja de Santa Cruz, situada ao longo do rio Chao Phraya em Thonburi.
Este bairro, foi originalmente atribuído pelo reino do Sião a comerciantes portugueses e franceses durante a mudança da capital da Tailândia de Ayutthaya para Thonburi. Foi aqui que conhecemos o khanom farang kutii jiin, um bolinho seco de origem portuguesa.
O bolo em si é uma mistura simples de ovos de pato, açúcar e farinha. Parece uma bolacha, tipo biscoito. Curiosamente, o método de preparação envolve uma técnica de cozedura improvisada – devido à ausência de fornos durante a era de Ayutthaya, os habitantes locais emulavam pequenos fornos onde cozinham os bolos à temperatura ideal, com uma mistura de cascalho pedra aquecido e brasas bem incadescentes.
O bairro em torno da Igreja de Santa Cruz é um testemunho do intercâmbio histórico entre os portugueses e os tailandeses. É um local imperdível para quem vem conhecer mais sobre a ligação Luso-siamesa.
Na nossa aventura por mais informação sobre esse doce distinto, embarcamos numa visita a Thanusingh, uma acolhedora padaria familiar que se dedica à elaboração de khanom farang kutii jiin há mais de dois séculos. Aninhada à sombra da Igreja de Santa Cruz, esta padaria guarda uma rica história profundamente entrelaçada com a influência portuguesa na Tailândia.
Pong, um padeiro de quinta geração de herança mista europeia e japonesa, está entre os poucos indivíduos na Tailândia que continuam a produzir esta sobremesa tradicional e tem muito orgulho em preservar sua receita e métodos originais. Enquanto conversamos, Pong vai-nos deslumbrando com os detalhes da natureza secular dos khanom farang kutii jiin.
Destaca o reconhecimento imediato que os bolos provocam junto dos turistas portugueses que visitam a pastelaria. É um testemunho da autenticidade e fidelidade com que a receita tem sido mantida ao longo dos séculos. Pong enfatiza que, apesar do passar do tempo, o doce sofreu alterações mínimas, mantendo inabalável sua essência e caráter.
Visitar Thanusingh e conversar com Pong deixou-nos de coração quente, saber que existe o compromisso inabalável com a herança e a tradição no reino dos doces tailandeses. A continuação da produção desta sobremesa notável, apreciada pelos locais e reconhecida pelos visitantes portugueses, serve como uma ligação viva à influência duradoura das práticas culinárias portuguesas na cultura tailandesa.
O processo de fazer khanom farang kutii jiin envolve etapas específicas para alcançar o resultado desejado. Os ovos de pato e o açúcar são batidos vigorosamente até atingirem uma consistência considerável e pontiaguda ao toque. No passado, essa tarefa arduosa era realizada a braços, usando um sistema improvisado de roldanas que girava uma pá de madeira. Porém, nos tempos modernos, os batedores elétricos assumiram esse papel, tornando o processo mais eficiente.
Depois que os ovos e o açúcar estiverem bem misturados, a farinha é cuidadosamente adicionada à mistura, para garantir uma incorporação uniforme. A massa resultante é então despejada em pequenas bandejas de metal feitas à mão, que são usadas para assar.
Para replicar o método de cozedura original, um forno moderno feito sob medida é usado. Este forno recria o efeito da técnica tradicional, que envolvia um leito de cascalho aquecido, com as brasas por cima.
À medida que a nossa conversa com Khun Pong continua – “Khun” significa Senhor – ele revela-nos histórias entre a população da área da Igreja de Santa Cruz, sobre outros pratos que ele acredita terem grande probabilidade de serem de origem portuguesa.
Falou-nos da perna de vitela assada com especiarias secas, uma tentadora criação culinária que ele adora e que aparenta mostrar influência portuguesa. Além disso, há um robusto cozido de legumes também, que lembra o cozido à portuguesa, e que se tornou uma comida tradicional – principalmente apreciada nas festas católicas nos dias de hoje.
Mas o Sr. Pong também nos confessou que existe um sentimento de preocupação relativamente ao potencial declínio deste património culinário. O passar dos anos ameaça a preservação destes distintos pratos de inspiração portuguesa, arriscando o seu desaparecimento da cozinha tradicional tailandesa.
O intercâmbio cultural entre Portugal e a Tailândia dotou a paisagem culinária tailandesa de uma riqueza de sabores, técnicas e pratos. É um patrimônio inestimável que merece reconhecimento e valorização. Os esforços para salvaguardar e celebrar este legado culinário único são vitais para garantir a sua existência contínua para as gerações futuras saborearem e apreciarem.
Através de comerciantes e missionários portugueses, a Tailândia ganhou acesso a um tesouro de sabores e tradições culinárias de todo o mundo. A introdução de ingredientes como tomates, batatas, malaguetas e especiarias, bem como a influência nos métodos culinários e nas técnicas de preparação de sobremesas moldaram profundamente a culinária tailandesa.
Das movimentadas ruas de Banguecoque aos bairros históricos que rodeiam a Igreja de Santa Cruz, ainda se podem encontrar vestígios desta herança culinária. As padarias locais, como Thanusingh, e artesãos dedicados, como Khun Pong, esforçam-se por preservar as receitas autênticas e os métodos tradicionais, permitindo-nos saborear os sabores do passado.
No entanto, com o passar do tempo, surge a necessidade de assegurar o contínuo reconhecimento e preservação deste património culinário único. Os esforços para documentar e promover a influência portuguesa na culinária tailandesa podem ajudar a aumentar a conscientização e a apreciação dos moradores e visitantes.
Celebramos assim o intercâmbio cultural centenário entre Portugal e a Tailândia, honrando a revolução culinária provocada pelos portugueses e os sabores duradouros que continuam a atormentar o nosso paladar.
Aproveite o seu tempo para visitar este Reino e abraçar este legado culinário, promovendo assim as tradições e sabores que enriqueceram a culinária tailandesa por gerações. Portugal e Tailândia têm muito mais em comum do que possa pensar.
Obrigado a Austin Bush Photography pela foto-reportagem.
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